segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Há um ano me perguntava: Como seguir com a consciência de que estamos aqui e você já não nos sentir? E depois de um ano, o desespero de não saber como a vida continuaria, de que os dias faria seus percursos, como o rio que continua a desaguar em outro, e em outro até virar mar, já não sufoca tanto. A dor, que não se evapora, começa a se transformar em lembranças. O choro, que nunca caiu na frente da minha mãe, continua sendo afagado pelo silêncio dos desconhecidos nas ruas, na verdade, são para as ruas as minhas confidências diárias de saudades.
Depois de um ano se aprende a lidar com o vazio, sem o barulho da cadeira de rodas, sem as conversas, sem os nossos silêncios na varanda enquanto sentíamos a brisa do cerrado, nosso refugio nos dias mais quentes! Aprende que é nesse vazio que se encontra tudo, onde é refeito, na memória, a existência. É este vazio que me faz seguir, que reflete a existência, sobretudo a minha. E existir é acumular o que o outro é, foi... Depois de um ano, algumas coisas não voltaram para o lugar, nem vão, pois precisam se refazer em outros espaços, de outros modos, pra poder continuar a ser. Hoje, o sentir só me é possível na memória... É onde tenho encontrado a leveza pra compreender que o rio precisa seguir. Mas, alguns sentimentos ainda perturbam... Como entender que: “Quando um pai morre, a gente perde a mãe também”. 

Nanda
o sol explodia em meu rosto
e o barulho dos carros gritavam nos meus ouvidos como o meu suor deslizava pelo meu corpo
ouvia apenas buzinas, buzinas, buzinas
o mundo parecia não mais falar
queria que tudo mais fosse...
para qualquer lugar
queria só estar em casa ligar a TV e não ver nada...
o suor escorria no meu corpo...

Nanda. 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

de gripe e sopa




Cai a chuva lá fora
o cheiro do molhado
invade meu nariz.

De cheiro em cheiro
uma memória eu fiz.

Alho fritando na panela
não é só barulho e cor,
quando jogo uma cebola
e a fumacinha começa a subir
é água nos olhos,
óleo na cara,
óculos embaçados,
computador e música engordurados...
e o cheiro.

O nariz aflito
implora pelo cheiro
e chora.

Porque fazer sopa
gripada
é cheirar com a memória!


                                                   Nani. 30 de julho de 2015

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Naquela esquina, naquela casa, tinha um pouco do céu nas suas paredes. Um azul límpido cotidianamente passeava em nossos olhos.
O brilho do sol trazia a quentura  em todos os seus quadrados, e,  de nascer em nascer, o calor transbordava e fazia o interior das gentes dali ser  risonhas e fogosas
Nas suas janelas passeavam todas as formas de vida, e  se via e ouvia tantas histórias, tantos causos,  tantos barulhos... Era vida!
Naquela esquina, com seus dois pés de são joão, as marias fedorentas vez ou outra fazia dançar aqueles corpos, era um verdadeiro baile o seu toque, finas patas que trazia fétido odor, bons bailados e muitos sorrisos.
Em verdade, quase tudo era festa, o barulho do bater da porta, o ranger da cadeira de rodas, o papagaio eufórico que girava e gritava nos dias de chuva,  o ruído das panelas no fogão... Naquela esquina, ouvi dizer, crianças não choravam e as nuvens adoravam foliar  com o ar seco  que pairava sobre as telhas.
Se chovia, as plantas se esparramavam de alegria por todo o quintal, se esfriava, a noite do cerrado soprava um vento bem lento que entrava nas frestas de suas paredes,  e se era noite de lua cheia, e ela brilhava entre as mangueiras alheias, a varanda tinha mais cores que a televisão,  e seu povo bem que sorria sob o  luar, bem que cantava sobre aquele lar...
A vida ali se mantinha na infância... Brincava solta na rua.
Naquela esquina, naquela casa, ainda há paredes azuis, mas cansadas, mutiladas, desbotadas... é de um silêncio que nem flor brota, é de uma lamúria que nem calor faz...nada lá se faz, só lágrimas.
Ouvi dizer, que hoje, as crianças daquela esquina, daquela casa,  ainda não conseguem sorrir, mas  tentam rebocar as suas paredes rachadas...


Nanda. 
Minha casa, desde que meu pai se foi...