domingo, 23 de novembro de 2014

sobre livros...vida e o que quiserem...


Sim, eu acho que a vida cabe em livros. É por isso, que tentamos escrevê-los.
A vida cabe num verso,
a vida cabe numa prosa (escrita ou falada)
a vida cabe num hai-kai.

Sim, a vida cabe em livros...porque os livros são memórias impressas,
e memórias são vivências que se escrevem em nosso.... corpo?!

Sim, a vida cabe em livros, porque eles são escritos, são memórias, são vivências...são musa (no singular mesmo)! Porque são um relacionar-se com...(sem par porque é abertura).

A vida cabe em livros porque são gestos,
cabem num olhar,
são táteis,
cabem num toque
cabem num sorriso, num pulsar (como o coração do nosso filho, batendo dentro de nós).

A vida cabe em livros porque são cheiro ( como de um livro velho...e também do novo),
a vida é paladar...e também a memória do gosto (como a do pequi).


A vida é Barriguda,
é suspiro no sol-quente no areão do Setor da Macambira...
A vida é birra.

A vida é um gole na água doce,
é o sentar, sábado de tarde (ouvindo o regue ( é assim que escreve, mesmo!) dos bares da beira do rio Corrente:
A vida é manha.

E é também um gole no (não do) vinho.

A vida cabe em livros, porque escrevo essa página,
porque me escrevem um filme,
me contam uma história,
me lêem um livro...
porque eu tiro uma foto,
porque quis pintar um quadro,
porque aprendi a tocar violão (tentei...)
porque ouvi Renato Russo,
escutei Raul Seixas,
e tirei de ouvido uma música do The Cranberries...


A vida cabe em livros porque Malu.

A vida cabe num tesão (mas sobretudo no gozo),
porque gozar, nadar, fazer nada e nadiar

a vida é vadiação.

A vida é Aurora,
é refrão, é allegro
e é azeda como limão...(melhor que fel)...

É lá si dó
é azul verde
é amarelo e vermelho... é partitura
a vida é uma espoleta (na gíria do baiano mesmo).

A vida cabe em livros...porque livro não é nada além de outro modo de dizer vida. Porque livros só são livros com os outros (homens mesmo)...

                               nani 24 de novembro de 2014

segunda-feira, 28 de julho de 2014


É tempo de dormência e do não estar.
O ser, que é estar no outro, desabita vagarosamente da matéria.
O corpo que, mesmo não podendo andar, sempre foi livre. Agora, nada mais expressa, virou silêncio...
 E as dores dos dias são as únicas promessas de vida.
O que resta é entoar ao movimento das marés, ao gingado e ao bailado dos corpos, as miudezas das flores e praças do interior  que nos  transformem em deuses.
Que é para entender a dor de não saber, como e por que, a vida lentamente vai se desconfigurando
 Já que, não basta olhar repetidamente pro céu, como que implorando, que não cesse esse caminhar... ou buscar abrigo em cada olhar desconhecido, em cada gota de chuva que vira oração.


 Como seguir com a consciência de que estamos aqui, e você já não nos sentir ?

Nanda

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Pretensos

Hai-kai da insônia

Luz apaga
Corpo acende
Longa madrugada

Hai-kai do assalto

Passa a bolsa
Corre
Só.corro

Hai-kai do sumiço

Você desaparece
Na distância
Eu extravio


Nanda



segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mar

Homem do sertão, da cor cinza,
sentado na rede faz seu cigarro de palha.
Fim de tarde. Um trago e o silêncio.
Homem pequeno de olhar grande.
Um trago e a mesma respiração.
Pernas cruzadas, chinelos gasto pelo areião. 
Um trago, pés gastos pelo tempo,  como um balanço, cruzam o vento.
Um trago, a mesma pergunta:
- Como é o mar?
A mesma resposta:
- O mar é lindo! não tem fim!
Um silêncio, a fumaça...
Os olhos perdidos  na imensidão azul.
Homem sertanejo, que todo final de tarde, no ranger vagaroso dos carros de boi, sente a brisa do mar... 
Mais um trago.

Nanda

Para meu avô Joaquim, que toda vez que me via perguntava como era o mar
Acho que amo tanto o mar porque o vejo com os olhos dele.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Sr. Jaime


Leidiane já estava cansada, com a testa molhada colando sua franjinha já grande que furava seus olhos, quando se sentou na calçada e disse que não ía mais brincar. Todo mundo ficou chiando porque ela sentou e emburrou a cara dizendo que dessa vez estava fora.

Depois que todos saíram da sua frente e voltaram a correr ela logo levou a mão à boca e voltou a balançar o dente de leite que estava prestes a cair. Ficava ali, se refrescando numa das raras brisas que sopram durante o verão de Santa Maria da Vitória, olhando os amigos brincarem.

Quando o coração voltou a bater normalmente no peito percebeu que estava sentada na calçada de Sr. Jaime de onde, todas as noites, saía um som solitário e obscuro de Sax.
A casa de Sr. Jaime de todas as casas da rua dos Doidos era a casa que mais lhe atraia. Fica logo abaixo de um poste, ou melhor, fica logo no início da penumbra que se forma no limiar do reflexo da luz no chão ao redor do poste. A faixada da casa não ostentava nenhuma tinta. De frete a ela podia-se ver um pequeno jardim do lado direito, um corredor no lado esquerdo onde no fundo via-se uma porta que parecia da cozinha. Logo atrás do jardim, a varando de um quarto que nunca viu a porta aberta, sequer a janela. A casa de Sr. Jaime é uma casa aberta, mas que nada mostra. Nunca entrou lá. A casa escondia um universo, e como tal, misterioso. O lugar onde nossa imaginação não pode habitar.

E de lá... das penumbras do corredor da casa de Sr. Jaime, o som lamentoso do Sax. O som que atravessa todas as memórias da sua infância na Rua dos Doidos.
Algumas vezes Sr. Jaime tocava na rua. E o modo como se apresentavam aqueles senhores à porta de Sr. Jaime, compondo um grupo que tocava todas as noites na porta de uma das casas da Rua dos Doidos, era sempre reconfortante. Vendo aqueles senhores com seus linhos e suspensórios e bigodes e barbas sentia-se sempre tão protegida.

Muitas vezes brincando na casa de avó, Leidiane ouvia do quarto da frente que abrigava a antiga barbearia de seu bisavô o som de Sr. Jaime. Adorava ficar ali, sentada na cadeira de madeira alta e espaçosa, a cadeira de barbeiro. Olhando no espelho imenso de onde se via também a janela da rua e os transeuntes que passavam pela calçada. Durante os sábados enquanto ficava deitada no chão da sala, olhando para o quarto-barbearia, a porta da rua e a janela, ambas abertas o tempo todo, sempre esperava uma surpresa. Algum parente da roça que vinha à cidade para vender na feira, algum amigo que morava na rua de Baixo, ou no Malvão que aproveitava que desciam para a feira e davam uma passadinha rápida. Alguém que fosse trazer um prato de feijão ou um litro de siriguela ou umbu...as visitas do sábado eram sempre esperadas. Os primos que estudavam em outra escola e não podia ver durante a semana, o parente afastado, a amiga ou o amigo da outra rua, o convite da vizinha pra ir no clube, ou na roça, ou no sítio ou na fazenda e por fim, o domingo com o pai, a mãe e as irmãs fazer churrasco em alguma beira de rio ali por perto da cidade. Em vários pontos da estrada o Rio Corrente tem lugar bom pra tomar banho, até na Prainha, atras do aeroporto, que é perto da cidade, tem lugar bom... “Será que amanhã, painho vai levar a gente para tomar banho de rio?” Pensou no exato momento em que o dente voltou a doer. Conseguiu amolecer um pouco mais. Quem sabe balançando mais esse dente, ele não cai antes de irmos pro rio...

“- Ohhhhhhhhhhh Leidiaaaaaaaaaneeeeeeeeee!!” - gritou “mainha” da porta da casa de sua avó. Foi quando Nani, num susto quase arranca o dente de uma vez:

“- jáaaa voooou mainhaaaa!” - não entendia porque mesmo do outro lado da rua, a mãe precisava gritar tanto pra chamá-la para ir pra casa.

Estava tarde, Sr. Jaime já estava limpando seu sax com a  mesma flanela branca. Não ia mais tocar naquela noite...

                                                                                                                L.C. 31 de janeiro de 2014